30 de junho de 1994

Abbé Emmanuel BERGER

Meus caros confrades,

Minha partida certamente os surpreendeu, feriu e talvez até os escandalizou.

A pedido do Padre Aulagnier, e por caridade, preferi até agora manter a maior discrição, esperando até o fim não ter de partir.

É por isso que, em total amizade, desejo agora lhes dar algumas notícias, junto com as razões da minha decisão. Durante um bom ano, refleti com o coração aberto e, creio, com honestidade, e comuniquei certas dúvidas aos meus Superiores.

Sobre a questão das sagrações episcopais.

Consciente da insuficiência das minhas respostas às perguntas de vários fiéis, quis retomar a questão — que, como todos concordam, não é evidente por si mesma — de um ponto de vista histórico, canônico e teológico.

Em particular, reli certos textos de Pio IX, Leão XIII e Pio XII (citados ao final desta carta).

Informei então o Superior Geral de certas objeções, e ele me enviou a tese do Padre Mura, que apareceu na revista “Le Sel de la Terre”.

Esse trabalho não só não me convenceu em favor das sagrações, como me convenceu do contrário.

No seu trabalho, o Padre Mura começa repetindo todos os argumentos da Tradição, dos Padres e dos Concílios contra tais sagrações, e depois afirma que, se o Papa proibiu as sagrações, foi porque ele não era contrário a elas; em outras palavras, se o Papa é “contra”, é porque ele é “a favor”. Apelar à (discutível) noção de um “Papa ocupado e, portanto, incapaz de tomar uma decisão sobre o assunto”, ou à distinção entre primeira e segunda intenção, é inútil. Isso desafia o bom senso! Especialmente quando se sabe que em mais de uma ocasião o Papa rejeitou essa explicação.

Recebi então este argumento inverossímil do Bispo Tissier (Carta de 25 de setembro de 1993):
“Nossa posição não lhe parece clara; mas foi o Arcebispo (Lefebvre) quem teve a graça de estado para tomar a decisão das sagrações, e quem teve a luz para tomá-la; quanto a nós, a nossa é simplesmente a graça de seguir, e isso basta: caminhemos na fé; se não for a fé divina, é ao menos o espírito de fé, que vem da fé divina...”

Fomos muitas vezes advertidos contra a obediência cega ao Papa. Devemos agora tê-la em relação ao Arcebispo Lefebvre? No Juízo, Deus não me perguntará se eu “segui”, mas se cumpri o meu dever.

De qualquer forma, o argumento do Bispo Tissier está longe de ser um argumento.

É exatamente o contrário: é uma confissão da ausência de argumento. Baseia-se na confiança, mas confiança não é argumento teológico. Estamos bem próximos do sentimento religioso caro aos modernistas e carismáticos.

Quanto a dizer-me “caminhemos na fé” a respeito de algo que não passa de obediência cega a uma decisão historicamente contingente, isso apenas levanta a questão sobre a natureza e o objeto da fé.

Pedi, portanto, esclarecimentos ao Bispo Tissier, e ele me respondeu nestes termos:
“Aceitei as sagrações 10% por razões especulativas, que expus aos meus paroquianos nestes termos: 1) Papa ocupado e, portanto, incapaz de tomar uma decisão válida sobre o assunto; 2) vontade implícita do Papa a favor das sagrações, visto que se trata de um caso de necessidade e tendo em vista a finalidade de sua responsabilidade; 3) exceção feita por Deus à sua lei divina positiva — uma exceção aparente — como Ele o faz em certos casos com a lei natural; 4) inspiração divina dada ao Arcebispo (Lefebvre). O Padre Mura desenvolve as duas primeiras razões; pode-se objetar ao seu raciocínio, e ele poderá replicar, e assim por diante... E por 90%, aceitei a Sagração por confiança no Arcebispo Lefebvre, e isso basta.”

"Se o Arcebispo Lefebvre consagrar bispos, os teólogos do século XXI encontrarão a justificação... Melius est judicium sapientis (Marcelli) quam millium insipientium!" (Carta de 7 de junho de 1994)

Por um lado, seria preciso encontrar esses mil insipientes... Por outro, se houve inspiração divina ou uma exceção querida por Deus, isso está sujeito às mesmas regras de qualquer aparição ou carisma e deve ser autenticado pela autoridade legítima da Igreja; de qualquer modo, temos o direito de exigir algum sinal público e incontestável. Na ausência disso, só nos resta seguir a lei geral da Igreja.

Tendo recebido o mesmo não-argumento duas vezes, cheguei à conclusão de que essa era a única resposta que um de nossos bispos podia dar para esclarecer as questões de um confrade sacerdote.

Em consciência, não posso aceitar esses argumentos sem perder a fé na Igreja e no Papa.

Eis aí uma razão objetiva para sair de uma Fraternidade que se tornou subjetivista.

“Autocéfala”, como nos disse o Padre Aulagnier durante uma meditação em Saint-Nicolas, em 22 de março, diante do Padre Schmidberger, que também observou que nos faltava união visível e externa com Roma.


Sobre o problema da missão e a questão de nossa jurisdição.

A tese aceita como autoritativa na Fraternidade é a do Bispo Tissier, expressa em sua conferência em Paris de março de 1991: por um lado, ele baseia seu argumento no estado de necessidade; por outro, nas necessidades dos fiéis que se dirigem a nós. Trata-se de uma jurisdição suprida ou, em última instância, é o pedido dos fiéis que nos confere jurisdição, caso a caso.

Nos dois anos intensos que passei trabalhando em Saint-Malo, essa tese me deu força; mas, durante os dois últimos anos de semi-férias que acabo de passar em Lourdes, ela se tornou uma verdadeira armadilha.

Por definição, essa tese torna qualquer trabalho apostólico externo impossível se as pessoas não nos solicitam nosso ministério. Além disso, ela é constrangedora por seu lado democrático: tenho dificuldade em conciliar essa posição com a estrutura hierárquica da Igreja, onde o apostolado necessariamente se baseia na missão que só pode vir de cima.

Disseram que abandonei meu posto e o rebanho. Mas, por um lado, não era “meu” rebanho; ele me havia sido confiado por superiores aos quais esse rebanho tampouco pertencia. Por outro lado, eu tinha a convicção e o sentimento não tanto de desertar, mas sim de deixar um ninho confortável onde “nos sentimos bem”, como o Padre Aulagnier tantas vezes diz, para retomar o combate onde ele realmente se encontra: no terreno, em Roma, com os bispos, nas paróquias, etc. É aí que está o nosso verdadeiro posto.

“Como pregarão, se não forem enviados?” Às vezes pode-se demonstrar grande zelo no apostolado, mas não se trata de “grandes passos fora do caminho” (magni passus extra viam)? E sejamos realistas: se, como escreve o Padre Celier (L’Église déchirée, p. 48), “a liberdade de pregar e de distribuir os sacramentos é, para a Fraternidade de São Pedro, estritamente limitada a grupos bem definidos de fiéis, na Fraternidade de São Pio X, fora de grandes centros como Saint-Nicolas ou no Gabão, é ainda pior!” Quem de nós não experimentou o quanto estamos à margem?

Não nos iludamos pensando que estamos na plenitude da vida e a caminho de dobrar Roma pela força dos números. Que seremos nós, no futuro, os que ditarão as condições para novas discussões! Sem contar que é irrealista de nossa parte falar sempre de “Roma” como se fosse um bloco homogêneo. Generalizar o adversário como “os modernistas” ou “a Igreja Conciliar” também é exagero. É uma ficção mental e lógica maniqueísta pensar: nós somos os bons e eles os maus.

“Aquele que pensa estar de pé, veja que não caia.” Sejamos realistas, com aquele realismo que se chama humildade! Em Lourdes, pude ver os extremos da riqueza e da miséria entre o clero e os fiéis. E foi uma descoberta total, mas reconfortante. Não somos melhores que os outros; não somos privilegiados com santidade, muito pelo contrário!


Sobre os matrimônios, nos baseamos no direito canônico que dispensa da forma canônica se não se encontrar um sacerdote dentro de um mês.

Sempre me pareceu evidente que se deve procurar um sacerdote dentro desse mês. De minha parte, sempre consegui encontrar um. Mas sei que muitos dos meus confrades pensam que estão dispensados de procurar. Mas como não refletir diante dos vários casamentos em Saint-Nicolas que foram posteriormente anulados por falta de jurisdição?

Do mesmo modo, o fato de se ter criado um escritório paralelo para as questões do matrimônio me parece muito grave. Não estaria a Fraternidade, assim, se colocando como uma Igreja paralela? “Autocéfala”?

As “necessidades” dos fiéis e os “casos de necessidade” não estão sendo indevidamente generalizados?

Os motivos de nosso apostolado (casos de necessidade e necessidades dos fiéis) são, afinal de contas, os mesmos invocados pela recente e abertamente cismática Neue Katholische Kirche da Áustria... uma companhia desconfortável!

“Haec oportet facere, et illa non omittere” — É justo não aceitar o modernismo e a concepção errônea da liberdade religiosa; é também justo manter a Missa de São Pio V, mas devemos igualmente conservar a fé na Igreja e no Papa, com a obediência visível e concreta que disso decorre. Não é porque o Papa por vezes nos escandaliza, como em Assis, que nós, por nosso lado, podemos brincar com o direito canônico. Já há desordem suficiente na Igreja para que aumentemos ainda mais!


Sobre a noção de Tradição

Permitam-me pensar que há nas palavras e escritos da Fraternidade uma real e profunda ambiguidade sobre esta questão.

Se considerarmos o recente livro do Padre Celier, poderíamos perguntar: afinal, o que é a Tradição?

  • É o tesouro de costumes litúrgicos acumulados e purificados ao longo dos séculos? Ou

  • É um “bispo realmente tradicional” (p. 53)? Mas como se define tal bispo, a não ser como alguém nomeado por Roma? Pois, se há algo que faz parte da Tradição — e da Tradição revelada — é a dependência visível dos bispos com relação a Pedro!

Ou ainda:

  • São as “obras” (escolas, peregrinações etc.), por necessidade frágeis e efêmeras (p. 23, 46)?

  • Ou uma comunidade: para dar vida à Tradição (p. 23)?

  • Ou o “cenário”: a batina vermelha, a alva rendada, as duas túnicas, o anel, o báculo, até o rosto do prelado — tudo é perfeito, tudo é tradicional (p. 115)?

Mas nunca a Tradição é definida como um dado objetivo, equiparável à Sagrada Escritura. E, nesse caso, é possível dizer que o Papa falha na Tradição sem negar sua infalibilidade e a eficácia da oração de Cristo por São Pedro?


Sola Scriptura — Sola Traditio?

Os protestantes, as Testemunhas de Jeová, os mórmons e outros fazem a Bíblia dizer coisas contraditórias. É fácil mostrar-lhes que, por isso, a Sagrada Escritura não é suficiente por si só, e que requer um Magistério, um intérprete autêntico.

Não se deve dizer o mesmo da Tradição revelada? Sola Traditio? Todos a invocam para condenar o outro. Portanto, ela também não é suficiente por si só; exige um Magistério, um intérprete autêntico. E esse Magistério não somos nós — é o Papa.

Em resumo, embora eu mal me recorde dessas palavras de João Paulo II no Motu Proprio de 2 de julho de 1988, o Padre Celier tinha razão ao nos lembrar delas, e concordo plenamente:

“Na raiz deste ato cismático encontra-se uma noção incompleta e contraditória da Tradição” (p. 30).
“...uma falsa concepção da Tradição” (p. 85).


Sobre o silêncio da Fraternidade diante das coisas positivas vindas de Roma

Por que não tivemos qualquer eco, por exemplo:

  • Do discurso do Papa na televisão (“inculca o relativismo moral e o ceticismo religioso; o melhor a fazer é desligá-la!”)

  • Do Diretório aos sacerdotes, que reafirma com força e clareza a distinção entre o sacerdócio do simples batizado e o sacerdócio ministerial, e que recorda muitos conselhos com o mesmo fervor das cartas de São Pio X e Pio XII sobre o sacerdócio.

  • E por que quase nenhum comentário sobre o documento que trata da ordenação de mulheres — documento que dificilmente se pode negar estar sob o Magistério ex cathedra?

Ao contrário, há uma manifesta vontade de chamar a atenção dos sacerdotes e fiéis somente para os pontos negativos: “Quem quer afogar seu cachorro o acusa de raiva”...

Somos frequentemente exortados a rezar pelo Papa, protestamos nossa submissão à Roma eterna etc., mas na realidade essas declarações apenas servem para manter o Papa sob vigilância, criticando-o sistematicamente, como um caçador à espreita do lobo que sai do bosque:

“Cuidemos de mostrar não apenas as luzes, mas também as eventuais sombras” (Cor unum 47, p. 5)


Tal atitude é psicologicamente indispensável para justificar as posições da Fraternidade. Pois a justificativa última das consagrações — o argumento maior em que se baseia toda a atitude da Fraternidade — é insistir que tudo está indo mal fora dela, e que a sã doutrina desapareceu de toda parte, exceto nela.

Você, sem dúvida, me dirá: não se pode aceitar tudo o que vem de Roma.
“Bonum ex integra causa, malum ex quocumque defectu.”

Com efeito, mas comecemos varrendo diante da nossa própria porta. A primeira observação é que, se vasculhamos os escritos do Santo Padre buscando apenas os pontos negativos, devemos ao menos permitir a mesma atitude com relação aos nossos confrades — e até aos superiores.


Sobre os fins do matrimônio

Critica-se muito a inversão dos fins do matrimônio promovida pelo Vaticano II. Mas eis o que o Concílio diz:

“Por sua própria natureza, a instituição do matrimônio e o amor conjugal ordenam-se à procriação e educação dos filhos... e assim o homem e a mulher se prestam mútuo auxílio e serviço...” (GS 48)

“O matrimônio e o amor conjugal ordenam-se, por sua natureza, à geração e educação da prole...” (GS 50, 1)

“Sem dúvida, o matrimônio não foi instituído unicamente para a procriação. Exige que o amor mútuo dos esposos também se concretize de modo bem ordenado.” (GS 50, 3)

Agora vejamos o Catecismo do Concílio de Trento (Matrimônio nº 3), repetido por Pio XI (Casti connubii nº 22):

“O motivo primário (causa) que leva o homem a casar-se é o instinto natural que inclina dois seres a unir-se na esperança de auxílio mútuo... O segundo motivo é o desejo de ter filhos...”

Se houve alguma inversão dos fins do matrimônio, é mais em honra do Vaticano II do que o contrário. Sejamos honestos com os textos, não lhes façamos dizer o contrário do que dizem, para justificar a priori nossas teses ou posições.


Sobre a noção de infalibilidade

Cada vez mais ouvimos entre nós a tese de que o Papa só é infalível quando fala ex cathedra. Os fiéis dizem isso e os seminaristas também — afirmando que aprenderam isso no seminário (?).

Mas é matéria de fé que o Magistério da Igreja — e, portanto, o do Papa — é infalível e que é composto tanto pelo Magistério ordinário quanto pelo extraordinário.

Por que então reduzir a autoridade do Magistério ordinário a uma mera “grande autoridade”? (Cor unum 47, p. 31)


Sobre a relação entre autoridade e fé

Até que ponto se pode dizer: “não é a autoridade que ocupa o primeiro lugar na Igreja, mas sim a fé”? Essa afirmação me parece perigosa. Quem me dirá, a mim, pobre pecador da Igreja ensinada, onde está a fé, senão a Igreja docente, na pessoa de Pedro?

“Eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça.”

Não há o perigo de subjetivismo ao se começar por formar uma ideia pessoal da fé: “essa é a verdadeira fé, esse é o ensinamento dos papas e concílios anteriores, essa é a Tradição” — para depois concluir: “esse sim é um verdadeiro Papa”, porque adere à minha ideia de fé? Isso não seria juízo privado?

Não é o caminho da Igreja o contrário disso?

Ubi Petrus, ibi Ecclesia” — Onde está Pedro, aí está a Igreja.

Na prática, somos confrontados com duas “infalibilidades”:
— A do Magistério ordinário do Papa, e
— A dos superiores da Fraternidade.

Por que confiar mais na autoridade de um superior geral do que na do Santo Padre?
Ao criticar constantemente a autoridade em seus diferentes níveis — escola, Estado, padres, bispos, Papa — não terminamos por destruir, no coração dos fiéis, e especialmente das crianças, o próprio princípio de autoridade?

Uma certa falta de informação:

O livro do Pe. Célier L’Église déchirée, assim como sua carta aberta publicada na revista Fideliter nº 96, pode ser considerado uma verdadeira apologia da Fraternidade de São Pedro. Ele mostra, de fato, como a Fraternidade de São Pedro encontra muitas dificuldades, mas ainda assim consegue afirmar-se e permanecer fiel à Missa de São Pio V (apesar das calúnias em contrário...). No livro, que é recomendado como perfeitamente documentado e baseado em fontes impecáveis, há várias páginas que são um amontoado de afirmações gratuitas, incompletas e vagas. Na página 43, por exemplo: “segundo informações sérias, a Fraternidade de São Pedro procedeu há algum tempo à eleição de um novo Superior Geral”. Ora, isso se chama Capítulo Geral, que pode ser situado no tempo e no espaço, e não simplesmente “há algum tempo” ou “segundo informações sérias”!


Um espírito de facção inquietante:

Um seminarista da Fraternidade escreveu-me recentemente, assegurando-me suas orações pela ordenação de meu irmão Miguel, acrescentando: “seja como for, não repita isso, pois correria grande risco por ter escrito essa simples frase”. Então, em Flavigny ou em Ecône, não se é livre para rezar por confrades de outras Congregações?


“Você está completamente livre? Você não está sujeito a alguma influência? A paixão não está envolvida em algum ponto dos seus pensamentos?” — escreveu-me o Pe. Aulagnier em 8 de fevereiro.

Acredito poder responder com calma que foi sem paixão que cheguei a estas considerações e conclusões. Sabendo-me facilmente emocional, quis “deixar o tempo agir”; e não penso que tenha tomado decisões tão graves de forma leviana.


Em 1988, apoiei-me nesta frase de meu bisavô, o venerável Almirante de Penfentenyo: “Em uma tempestade, o marinheiro não troca de capitão.” Havia uma tempestade naquela época, e eu não queria tomar uma decisão naquele contexto. Desde então, as coisas acalmaram e se esclareceram, especialmente em Lourdes, onde tive tempo de reler os textos.


A influência profunda foi:

  1. A ausência de respostas às minhas perguntas, particularmente os não-argumentos de Dom Tissier: “Dom Lefebvre teve a graça de decidir; a nossa é a graça de seguir, e isso deveria bastar.” De fato, no dia em que recebi essa carta, algo se rompeu; já não me sentia mais parte da mesma família. Mas quis dar-me tempo para o estudo e a oração.

  2. Uma releitura dos documentos papais, especialmente os de Pio IX e Leão XIII (adicionados abaixo). Se nos apoiamos no Magistério anterior para criticar a Declaração sobre liberdade religiosa, é necessário, com honestidade, não fugir desse mesmo Magistério anterior na questão das sagrações.

  3. E, por fim, a graça de Lourdes: “Em Lourdes, encontra-se um aumento não apenas de amor e devoção à Mãe de Deus, mas também de veneração e submissão ao Vigário de Cristo” (São Pio X, 23 de dezembro de 1908). Em Lourdes, vê-se a Igreja — em toda a sua riqueza, sua miséria (pois há muitos excessos lá) e sua diversidade. Mas com amor e compaixão. Ali, “os atos falam mais que as palavras”.


Conclusões / decisões:

  • O terminus a quo (o ponto de onde saio) tornou-se inevitável: deixei minha querida Fraternidade, não sem apreensão; mas isso tornou-se um dever de consciência. Por uma razão de fé.

Senti que minha fé na Igreja estava sendo profundamente alterada, e achava cada vez mais difícil cantar com honestidade: “Credo in unam, sanctam, catholicam et apostolicam Ecclesiam” ou explicar às crianças o capítulo do catecismo sobre a Igreja e o Papa.

Quero manter a fé em Pedro, apesar de suas desventuras, baseando-me na oração eficaz de Cristo: “Rogei por ti, para que tua fé não desfaleça” e no ensinamento da Igreja sobre o “dever de subordinação hierárquica e da verdadeira obediência, de submeter-se não apenas nas coisas referentes à fé e aos costumes, mas também naquelas relativas à disciplina e ao governo da Igreja.” (Pio IX, Pastor Aeternus, D694)


  • O terminus ad quem (o ponto para onde vou) ainda é menos claro. Mas Deus me mostrará o caminho a seguir.

Scio cui credidi, et certus sum quia potens est depositum meum servare.
(Sei em quem acreditei, e estou certo de que Ele é poderoso para guardar meu depósito.)


Primeiro fui a Roma para regularizar a situação canônica junto à Comissão Ecclesia Dei. O único texto que me pediram para assinar foi o mesmo que Dom Lefebvre assinou: o preâmbulo de 5 de maio de 1988 (Cor unum nº 30, p. 30 e 31).

Depois, celebrei a Santa Missa na basílica de São Pedro, sobre o túmulo de São Leão Magno.


E agora não pretendo precipitar-me nesta ou naquela comunidade.

Preciso recuar e visitar diversas comunidades fiéis à Missa de São Pio V (essencialmente o Instituto Cristo Rei e a Fraternidade de São Pedro), nem que seja apenas para conhecê-las de dentro, e de visu. Pois tenho notado como, há alguns anos, histórias têm sido inventadas sobre Barroux ou sobre a Fraternidade de São Pedro, por exemplo (não seria oportuno notar que o seminarista que saiu da Fraternidade São Pedro e que foi o principal autor do famoso relatório que causou tanto alvoroço contra a dita Fraternidade no último outono, teve de ser dispensado de Flavigny na última Páscoa...?)


De todo modo, sei que posso contar com as orações de todos vocês, para que a vontade de Deus se manifeste com clareza.

Não rezamos juntos em 28 de junho?:
“Praesta quaesumus Domine ut nullis nos permittas perturbationibus concuti, quos in apostolica confessionis petra solidasti.”
(Concedei, nós vos pedimos, Senhor, que não sejamos abalados por perturbação alguma, vós que nos firmastes na pedra da confissão apostólica.)

Você vai me acusar de traição. Talvez. Você dirá o que quiser. Eu simplesmente responderia com as palavras de Santa Bernadette, que se tornou muito querida para mim nesses dois anos em Lourdes: “Permitir ser caluniada, desprezada, rejeitada e dilacerada. Ah! como eu glorificaria a Deus!”

“Meus desejos são que não haja nenhuma lembrança de mim, exceto para me desprezar, humilhar e maltratar, pois, de fato, nada mais do que isso me é devido.” (Notas íntimas, 1873)

Você talvez me pergunte por que não esperei pelo Capítulo Geral.

Absolutamente, não me alinho com os problemas de ninguém, nem por desânimo nem por amargura. As demonstrações de simpatia recebidas de vários de vocês nas últimas semanas testemunham isso.

Mas já faz quase um ano que venho colocando questões fundamentais aos Superiores — questões que os próprios Superiores disseram ser legítimas.

A única resposta fundamental que recebi foi uma não-resposta: “Dom Lefebvre fez a escolha, só temos que seguir, e isso deveria bastar.” Essa ausência de resposta doutrinal tornou minha saída inevitável. Não quero fazer guerra contra vocês. Não julgo ninguém, mas, em consciência, julgo a mim mesmo diante de Deus. No entanto, “iterum et iterum” (vez após vez), coloco a questão, esperando que meu gesto ecoe entre meus confrades e superiores mais do que minhas perguntas.

Ou não se deve perguntar nem levantar questões; mas isso se parece demais com as Testemunhas de Jeová e outras seitas.

Ou então existe uma resposta doutrinal coerente, e eu imediatamente retornarei à Fraternidade. Pois é a família na qual cresci e que amo, com todos os meus confrades com quem passei vinte anos.

Ou então não há resposta, como infelizmente parece, e, no decorrer do Capítulo Geral — para o qual farei a novena e jejuarei, como foi pedido — as consequências deverão ser tiradas com uma fé verdadeiramente sobrenatural na eficácia das palavras de Cristo e na missão do Papa, que é objeto de fé assim como a Trindade ou a Presença Real.

Caríssimos confrades, novamente expresso minha amizade sacerdotal e união de orações.

Nossa Senhora de Lourdes, rogai por todos nós, pobres pecadores.

Abbé Emmanuel Berger

Fonte: https://www.tapatalk.com/groups/ignis_ardens/viewtopic.php?f=11&sid=7bde664ef4a544b05fb9a-1924a9c57db&t=11560